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Cogumelos alucinógenos: controversos e inevitáveis

Cogumelos alucinógenos: controversos e inevitáveis

Em julho de 2023, uma notícia polêmica: a Austrália autorizou a prescrição de ecstasy para tratamento de transtornos mentais. Depois dos australianos, foi a vez dos Estados Unidos declarar que estava próximo de aprovar o uso de MDMA para tratar pacientes com estresse pós-traumático. 

O MDMA também é chamado de ecstasy ou molly./ Imagem: Getty Images/iStockphoto

Ou seja, cada vez mais esse debate tem se intensificado no mundo todo e o uso de substâncias como os cogumelos alucinógenos como medicamento e/ou ingrediente não parece mais tão impossível assim.

É sobre essa desmistificação que vamos conversar hoje. Acompanhe a seguir. 

Alucinógenos, psicodélicos, mágicos

Assim que as substâncias que contém psilocibina são normalmente chamadas. Esse tipo de droga altera a percepção da realidade de quem a utiliza. Podem fazer a pessoa ver, ouvir e sentir coisas que não são reais, distorcendo a interpretação do que está acontecendo ao redor. 

cogumelos alucinógenos são aqueles que possuem a psilocibina
Esse é o composto psicoativo encontrado nos cogumelos alucinógenos. Ele é o principal alvo de estudos dos alucinógenos como medicamentos./ Imagem: Reprodução

Alguns psicodélicos são sintéticos, como é o caso do LCD. Outros, são naturais, encontrados em plantas. Por exemplo, o cacto peiote produz o alucinógeno mescalina. Já a psilocibina (mais famosa e a que mais falaremos por aqui) é encontrada em alguns tipos de cogumelos.

Os cogumelos “mágicos” podem ser consumidos cozidos, fervidos em chá ou misturado ao tabaco. 

O chá é uma das formas mais comuns do consumo de cogumelos (claro que tudo deve ser acompanhado por uma equipe médica responsável). / Imagem: Getty Images/iStockphoto

Também podem ser medicamentos poderosos no tratamento de diversas doenças, principalmente aquelas que afetam nossa saúde mental. 

Austrália dá o primeiro passo

Foi esse o principal motivo que fez o país da Oceania liberar o uso medicinal dos cogumelos: tratar da saúde mental.

Psiquiatras australianos agora podem prescrever MDMA, ou seja, o ecstasy para seus pacientes que sofrem de estresse pós traumático e/ou depressão.

De acordo com pesquisadores do país, o MDMA pode ajudar sobreviventes de traumas a enfrentar as memórias desagradáveis de forma assistida e, assim, conseguirem superá-las. Além disso, pode “reiniciar” o cérebro deprimido. É muito importante dizer que isso não é um caso de “tome aqui esse comprimido e boa sorte!” Tudo deve ser monitorado cuidadosamente pelo médico responsável. 

Outra questão é que cada pessoa é única e pode ou não responder de forma positiva ao tratamento com o composto psilocibina, encontrado nos cogumelos alucinógenos.  

os cogumelos alucinógenos agora são permitidos para fins médicos na Austrália
O país liberou o MDMA e a psilocibina para tratamentos médicos./ Imagem: Westmacott/Alamy

Por isso, alguns pesquisadores e psiquiatras têm demonstrado certa preocupação em relação a liberação australiana. Eles afirmam que a decisão é um tanto prematura e que são necessários mais estudos sobre os efeitos a longo prazo e possíveis reações adversas.

Sendo ou não uma autorização precipitada, muitos países, como EUA e Canadá, estão se preparando para seguir pelo mesmo caminho.

E por que?

Porque, cada vez mais, surgem evidências de benefícios no trato de inúmeras condições de saúde. 

Divisor de águas

Uma pesquisa norte-americana da MAPS Public Benefit Corporation se mostrou como um marco nos estudos em torno desse tema.

Ela funcionou assim: 104 participantes diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático foram divididos em dois grupos. Cada indivíduo trabalhou em conjunto com terapeutas e psiquiatras em sessões de 8 horas de duração, onde um grupo de 53 participantes tomavam MDMA e os outros 53 recebiam um placebo.

cogumelos alucinógenos para tratamento de estresse pós-traumático
Resumo dos estudos feitos. De acordo com a MAPS, 13 milhões de americanos sofrem de estresse pós-traumático./ Imagem: MAPS

Nem os participantes nem os médicos sabiam quais pessoas tinham recebido o placebo. 

A conclusão do estudo mostrou que 86% dos pacientes que ingeriram o ecstasy tiveram diminuições consideráveis nos sintomas do estresse pós-traumático. 71% dos participantes, inclusive, tiveram reduções tão drásticas que nem sequer poderiam ser mais diagnosticados com TSPT. Dos que tomaram o placebo, 69% melhoraram consideravelmente e 48% não se qualificavam mais com o transtorno.

O resultado foi submetido à Food and Drug Administration (FDA, órgão regulador dos EUA, semelhante à ANVISA aqui no Brasil). 

Cogumelo como analgésico para dores crônicas

Não é de hoje que os Estados Unidos vêm enfrentando uma crise dos opioides em seu sistema de saúde. Dessa forma, é de grande interesse público encontrar alternativas naturais aos fármacos sintéticos. 

Assim, os cogumelos estão sendo estudados como opção de analgésico para alívio de dores crônicas.

Utilizar a psilocibina, ativo presente nos cogumelos alucinógenos pode aliviar as dores./Imagem: Health

Cientistas da Universidade de Michigan desenvolveram uma injeção de psilocibina (ingrediente ativo dos cogumelos) para proporcionar diminuição duradoura das dores em pacientes crônicos. 

O estudo consistiu em injetar nas patas de ratos um composto que induzia dores. Posteriormente, os ratos são separados em 3 grupos. O 1º recebia uma dose baixa de psilocibina, o 2º uma dose alta e o 3º um placebo.

Por fim, os cientistas expuseram os animais a picadas nas patas. O que se observou foi que os ratos que receberam a injeção de cogumelos eram bem menos sensíveis a dor dos que os que receberam o placebo.

Essa observação dá a entender que a psilocibina pode alternar alguns captores cerebrais, o que pode diminuir as dores crônicas, uma vez que, acredita-se que ela é mais um efeito do cérebro e da medula espinhal do que de alguma parte específica do corpo.

Alucinógenos que aliviam a enxaqueca

Um outro estudo interessante foi publicado na revista Current Pain and Headache Reports, em que foram testados os efeitos da psilocibina em 10 candidatos que sofriam de enxaquecas durante toda a vida. 

os cogumelos alucinógenos poderiam ser um remédio para enxaquecas
Imagem: abpLive

O que se percebeu é que uma única dose baixa do medicamento reduziu pela metade a ocorrência de episódios de enxaqueca nos pacientes nas duas semanas seguintes ao tratamento em comparação com a duas semanas em que usaram um placebo. 

Porém, os próprios pesquisadores envolvidos no estudo afirmam que ainda é cedo e os efeitos a longo prazo precisam ser estudados e em uma amostragem maior de pessoas. 

Pode auxiliar até mesmo no tratamento da anorexia

Dores, condições mentais e até mesmo transtornos alimentares têm potencial de melhora com o uso de cogumelos medicinais, é o que apontam a pesquisa publicada na revista Nature Medicine

Os estudos sugerem que uma dose única do psicodélico contendo a psilocibina aliada ao apoio psicológico pode diminuir o comportamento anoréxico e melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem com esse transtorno. 

cogumelos alucinógenos podem auxiliar no tratamento da anorexia
A anorexia é um transtorno de difícil tratamento e o uso de cogumelos alucinógenos pode se tornar uma opção viável./ Imagem: iStock

Atualmente, a anorexia é uma condição de difícil tratamento e não existem sequer medicamentos aprovados e comprovados que diminuam os sintomas da condição. 

A terapia aliada com o uso da psilocibina demonstra ser um tratamento promissor associado a melhora na ansiedade, autoimagem, autoestima e aceitação. 

Na pesquisa, o composto é administrado com apoio de uma equipe multidisciplinar de psiquiatras e terapeutas em 10 mulheres adultas com faixa etária de 18-40 anos com anorexia.

A avaliação durou 3 meses após a dose única e, ao final, os cientistas relataram que não houve nenhum evento anoréxico grave no período. As respostas das próprias pacientes mostram que 90% delas consideraram positivos os efeitos do psicodélico.

Em suma, vale ressaltar que esse estudo é apenas um primeiro passo e que essa é uma doença complexa, merecendo atenção multiprofissionais de várias áreas. 

É tudo muito novo

Em conclusão, ainda é muito cedo para afirmar qualquer coisa. Sim, as pesquisas iniciais têm sido positivas, mas é necessário ampliar os estudos e os períodos de análise para conseguir ter resultados mais precisos e seguros.

O que podemos perceber é que é uma questão de tempo, a Austrália foi a primeira a autorizar o uso e os norte-americanos e europeus estão seguindo o exemplo. Entretanto, serão precisos grandes esforços para desmistificar o preconceito em torno das drogas e mostrar às pessoas a diferença entre o uso recreativo e o medicinal. 

Cogumelos alucinógenos ainda são vistos de forma preconceituosa./Imagem: LIBRARY VIA AP IMAGES

Assim como tem sido com a cannabis, com os alucinógenos também será um caminho longo. 

E, por fim, iremos te contando as novidades até lá. 

P.S.: “Para contribuir com o debate: há alguns anos entrevistei especialistas sobre o tema que me disseram que o termo “alucinógeno” não seria o mais indicado, em parte devido a um certo estigma que a palavra carrega. Boa parte da comunidade dedicada ao assunto prefere “psicodélicos” ou “enteógenos”, me disseram.” Gustavo Steffen de Almeida, Jornalista de Ciência, in Linkedin, 24/01/2024

Deixamos o link a matéria que o Gustavo escreceu sobre o assunto aqui, caso alguém tenha interesse.

Fontes: Independent, Health Day, New York Post, CNN Brasil, DEA

 
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