Café sem café. Por que a indústria de alimentos está correndo para fazer?
Já tomou uma xícara de café hoje? É provável que você esteja tomando um agora mesmo, enquanto lê esse artigo. Mas e café sem café, já provou?
E não, não estamos falando sobre café descafeínado, esse você já conhece, a questão aqui é outra. O café é a segunda bebida mais consumida no mundo, atrás apenas da água, e o consumo no Brasil está entre os maiores do mundo, só perde para os EUA. Seja com ou sem cafeína, quente ou gelado, espresso ou coado, em casa ou no escritório, ele é presença obrigatória no mundo inteiro e agora café sem café.
Por que a preocupação com o café?
Porque ele está entre as culturas mais vulneráveis em relação às mudanças climáticas, secas, alagamentos e pragas afetam o crescimento e a qualidade da safra. A remoção das árvores para criar cafeeiros degradam a qualidade do solo e levam a níveis mais elevados de erosão.
De acordo com um estudo da revista Climate Change, cerca de metade das terras em todo o mundo atualmente utilizadas para plantar café poderão ser inférteis até o ano de 2050.
A busca por alternativas ao café não é à toa, se não nos mobilizarmos para mudar esse rumo, é provável no futuro o café como conhecemos seja um luxo igual a caviar.
As alternativas tradicionais ao café ainda são uma opção
A cevada é uma opção já consolidada no mercado. Já nos Estados Unidos, é comum encontrar a bebida de chicória. E as etapas de fabricação são as mesmas do café: secagem, moagem e torra.
Caroço de açaí: a solução brasileira
No Brasil o “café de açaí” está se tornando mais popular. Trata-se de uma bebida upcycled, feita a partir dos caroços de açaí, resíduo da produção da polpa de fruta.
A Engenho Café de Açaí, criada em 2020 durante a pandemia, já exporta seu produto para os EUA e Alemanha.
Ainda que as alternativas sejam parecidas com café, elas não costumam ter cafeína em sua composição e a ausência desse efeito energético é um dos maiores pontos negativos para os consumidores.
O café por cultivo celular
O desenvolvimento de alimentos cultivados é mais conhecido pelos produtos de origem animal, mas culturas vegetais como palma, cacau e café também são matérias-primas de interesse para o cultivo em laboratório.
A dificuldade de produzir em larga escala e os preços altos ainda são barreiras fortes na disseminação dessa tecnologia. Para contornar o problema e tornar seu produto acessível ao grande público, a empresa francesa Stem está desenvolvendo seu café a partir de células de resíduos do próprio café, como a cáscara e a borra de café, num processo de upcycling, que é então fermentado em biorreatores para a multiplicação celular do café.
Upcycling e fermentação são alternativas promissoras
Outra empresa a investir em upcycling e fermentação é a norte-americana Minus Coffee. A empresa utiliza ingredientes upcycled como raízes de chicória, sementes de tâmara, malte de milho, sementes de uva e de girassol junto a lentilha e alfarroba. Esses alimentos são torrados e moídos para, serem então fermentados. A cafeína é extraída de folhas de chá.
A empresa afirma que o seu produto utiliza 94% menos água e cria 91% a menos de emissões de gases de efeito estufa.
Fundada em 2022, a Prefer tem sede em Cingapura e produz café moído sem grãos. Ele usa um novo processo de fermentação que converte resíduos da fabricação de cerveja, pão e tofu em moléculas essenciais do aroma do café.
A marca afirma que embora tenha começado com o café, a sua tecnologia de fermentação tem potencial para criar sabores mais acessíveis e sustentáveis. O objetivo final é criar alternativas a mais produtos ameaçados, como cacau e baunilha.
Atomo: a empresa que recebeu 50 milhões de dólares em investimento
Atomo, startup com sede em Seatle, recebeu 50 milhões de dólares em investimentos para seu principal produto: o café feito sem os seus respectivos grãos.
A empresa usa ingredientes upcycled como sementes de tâmara, cascas de uva e raízes de chicória num processo de fermentação de precisão em uma bebida que promete ser igual ao cafezinho tradicional. Aliás, num teste cego com seu produto, nenhum participante identificou a diferença entre as amostras.
O diferencial foi identificar os 28 compostos encontrados no café tradicional em outras fontes alimentares sustentáveis e criar então um produto cujo preparo seguisse o mesmo ritual que o café. São grãos inteiros que podem ser torrados e moídos, passando pela água quente, oferecendo a mesma experiência de aroma e sabor ao consumidor.
Um futuro sustentável com ou sem café
Não devemos considerar nossos alimentos favoritos como garantidos, as mudanças climáticas podem comprometer o fornecimento deles no futuro.
Embora ainda existam desafios para escalar a produção a um custo competitivo ao café tradicional, essas soluções podem, em conjunto, serem importantes fontes de consumo da bebida no mundo. Isso não significa que não teremos nossa xícara quentinha de manhã. Só que, talvez, ela possa ser feita com outros ingredientes. E que, em aplicações que continuem a depender do café, que sua produção seja sustentável. Não é sobre substituir, mas sim sobre diversificar nosso consumo, tornar o sistema alimentar resiliente e preparado para o futuro.
Este artigo foi originalmente escrito e publicado no Food Connection em 20/10/2023 para ser publicado aqui em 08/11/2023.
Veja também este artigo sobre a segunda vida do café: produtos inovadores direto do cafezal.
Fontes: Forbes, Energy Makeover, GOV, Trend Watching, Green Queen, Território Secreto, Fast Company, Times of India, Food and Wine, Food Navigator, Público, Beverage Daily
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